terça-feira, novembro 14, 2006

Atelier Livre e o Sentido da Criatividade

Em crônica anterior tive a oportunidade de dar algumas pinceladas a respeito da estrutura e funcionamento do Atelier Livre Municipal. Agora retorno ao mesmo para constatar a aplicação prática da sua filosofia e encontrar o mais vivo e agradável calor humano. Volto a afirmar que aquí é uma Casa das Artes para Todos. O apoio comunitário é representado pela Associação Pró Atelier Livre, presidida por André Inácio Schmitt e Ana Alice Bender Gaertner, vice-presidente. Desde a chegada na portaria, encontro a atenção dos funcionários, na recepção, secretaria e serviços auxiliares. Os antigos e desconfortáveis elevadores são esquecidos, quando vejo as paredes dos corredores do Atelier, cobertas de belos quadros coloridos. São obras de arte dos alunos que circulam também em exposições públicas externas. Acompanhado pela diretora, Márcia Willers Deves, sou recebido amavelmente nas salas de desenho, pintura e dança, onde alunas e alunos parecem representar em movimento, figuras conhecidas dos quadros de pintores impressionistas.
Um ambiente alegre, disciplinado e de respeito coletivo, permite o debate sobre os programas estabelecidos, gerando a integração e liberdade para criar.
Isso faz lembrar-me de Ingrid Olbricht e Ursula Baumgardt,em seu “Um Caminho para Começar de Novo”, confirmando o êxito da orientação do Atelier: - ..”.Para ser criativo, o homem precisa de uma atmosfera encorajadora...A atmosfera que possibilita o nascimento de um processo criativo é uma atmosfera de liberdade e de segurança... Um ponto importante do princípio da criatividade é que ele não impõe, mas estimula e possibilita que cada pessoa atue de modo correspondente aos seus talentos...”
- “O ser criativo se dispõe muito mais a aceitar novas situações, pois tem a urgência de estar em contato com o mundo à sua volta e de participar dele.”
-“Em nossas vidas, a criatividade nos dá força para estar em contato com o mundo e reagir, perguntar, trabalhar e nos expressar - em suma, dá-nos a prova de que existimos e estamos vivos, de que estamos aqui.”
Por isso, o sentido da criatividade por ser entendido da forma mais diversa, de acordo com o objetivo de cada pesquisador: para o historiador da arte ela significa um produto criativo. Para os artistas, ela significa um processo. De acordo com Olbricht & Bamgardt, -“Educadores, psicólogos e psicanalistas, interessados na previsibilidade da criatividade, voltarão seus interesses para a personalidade criativa.”
Por fim, da Agenda do Atelier, selecionei textos para saber o que as pessoas dizem do processo criativo e participativo : -“Cada vez mais se torna fundamental que uma cidade preserve um espaço para a arte, garantindo o direito de criação e expressão, cultivando a sensibilidade para a arte da vida...esta é uma conquista para todos nós que acreditamos na liberdade dos homens, que acreditamos na beleza da vida.”( Maristela Guasselli, Secretária de Educação e Desporto), mantenedora do Atelier.
-“É o local onde me realizei como pessoa e profissional, através das trocas de experiências com meus alunos”.( Janice Corrêa da Silva, professora).
-“Lugar mágico de aprendizado e convívio, onde aflora o melhor do ser humano”. Através da dança, da música...”( Aurea Juliana Feijó, professora).
-“Um lugar onde as artes se encontram. Onde há troca, amor, fé e paixão pelo trabalho”. ( Luciana Maria Strack, professora).
-“Lugar de sonhar, realizar, cantar, aprender, dançar, pintar, amar, viver. Eu posso tudo,basta querer. Esse é o meu, o seu, o nosso Atelier.” ( Issur Israel Koch, professor).

Profissões e Preconceitos

Crianças, jovens e adultos deliciaram-se,uma ou mais vezes, assistindo os filmes de Walt Disney. Desses, um que chama nossa atenção é “Alice no país
Das Maravilhas”, baseado no livro homônimo de Lewis Carrol. Num dos episódios do filme aparece o “chapeleiro maluco”. A origem dessa maluquice estaria relacionada com os produtos químicos, utilizados antigamente pelos chapeleiros, para o tratamento de peles e outros materiais para a confecção dos chapéus.
Esse tratamento químico, feito sem os devidos cuidados na época, poderia trazer malefícios, disturbios mentais a esses profissionais. Daí a expressão inglesa “as mad as a hatter” ( doido como um chapeleiro ).
Claude Lévi-Strauss, antropólogo belga, nasscido em Bruxelas é conhecido dos estudiosos brasileiros, pois foi um dos grandes colaboradores da implantação da Universidade de São Paulo. Esse pesquisador e professor, analisou com muita propriedade aspectos relativos às culturas e o que chamava de “traços de personalidade associados à prática de um ofício”.
Em certa ocasião, retornando de navio, dos Estados Unidos para o Brasil, conta num de seus estudos, as conversas que mantivera durante a viagem, com um regente de orquestra francês.:
- “ Um dia ele me disse que, ao longo de sua carreira profissional, observara que o temperamento dos músicos geralmente afina com o timbre de seus instrumentos e o modo de tocá-los. Para se dar bem com a sua orquestra, o maestro deve estar atento e levar isso em conta. Assim, acrescentou, em qualquer país que estivesse, podia prever que o oboista seria fechado e suscetível, o trobonista, expansivo , bem humorado e jovial...”.
De longa data, o ser humano tem procurado verificar se existem efetivamente, as razões para esse tipo de analogia: Seria realidade ou criação de mitos que influenciariam a relação da atividade profissional com o temperamento dos indivíduos.
Tanto Belmont(1984), como Lévi-Strauss(1985), fazem referência ao antropólogo francês Sebillot, o qual, nos anos mil e oitocentos, efetuou uma interessante classificação de profissões, que tradicionalmente possuem determinados tipos de comportamento ou personalidade. As classificações poderiam ser feitas através da aparência física: os alfaiates (costureiros), por trabalharem sentados, eram imaginados doentes ou defeituosos. O mesmo poderia ser dito dos sapateiros. Os açogueiros, por trabalharem em pé, movimentando-se, às vezes, transportando grandes peças de carne às costas, fazendo constante ruído, eram considerados indivíduos que gozavam de boa saúde. O segundo aspecto analisado para classificar as profissões era relacionado à honestidade ou moralidade. Na tradição européia, por exemplo, profissionais que recebiam produtos “in natura” (matérias-primas), para processamento, eram considerados suspeitos de roubarem, não devolvendo ao proprietário as quantidades certas das matérias primas entregues para processamento. Nesse rol estavam todos os profissionais que atuavam em moinhos, tecelagem ou alfaiataria (costureiros). Os padeiros, citaDOS POR Lé-Strauss, eram acusados de utilizar produtos de baixa qualidade, muitas vezes disfarçados de boa aparência. O terceiro critério de classificação das profissões, relacionava-secom o comportamento psicológicamente afetado. Os produtos químicos utilizados pelos pintores de paredes, alegres e alcoólatras; os trabalhadores de serrarias e lenhadores, grosseiros e mal-humorados; os ferreiros e forjadores, criadores de peças em metal, eram vaidosos; os sapateiros seriam tipos alegres; Os barbeiros e cabeleireiros, quase uma unanimidade até nossos dias: muitos seriam fofoqueiros e tagarelas.
É característica das mais variadas culturas, a criação demitos atingindo a honorabilidade de profissionais, pelo exercício de trabalhos específicos. Os artesãos, por sua especialidade, podem em alguns casos, sofrer a inveja daqueles que não possuem o dom de criar peças originais.Muitas vezes a tragédia e a comédia apresentadas pelas trupes circences, nos picadeiros e praças das vilas e cidades, aguçavam a imaginação popular, como as novelas televisivas de nossos dias, que chegam a confundir a cabeça de certas pessoas, não distinguindo o que éficção e o que é realidade.
Claude Lévi-Strauss cita o pesquisador Sébillot, elaborando de forma bem humorada, uma síntese desses mitos e crenças, em torno das várias atividades
Profissionais, exercidas pelas pessoas na sociedade:
-“Se existissem cem padres que não fossem gulosos, cem alfaiates que não fossem alegres, cem sapateirosque não fosssem mentirosos, cem tecelões que não fossem ladrões, cem ferreiros que não fosssem sedentos e cem velhas que não fossem faladeiras, o rei poderia ser coroado sem medo”.